O assim chamado mangolão
é um termo que designa um comportamento baseado numa ética crítica e
propositiva. O mangolão nasce
geralmente em sistemas opressores, que restringem o exercício vital da crítica,
da criatividade e do livre pensamento. Um exemplo de sistema são as
instituições educacionais, que manipulam o aluno como um corpo dócil, ao invés
de valorizá-lo como um ser humano legítimo, dotado não apenas de obediência,
moral e disciplina, mas também de habilidades artísticas e criativas. O
mangolão, assim, surge da necessidade de expor o lado humano emocional, da
desmesura e do exagero, para além das meras formas, moldes e estereótipos que o
sistema estabelece. Por isso o fato de o tipo mangolão ser tão musical e
cômico: nessas duas faces artísticas, musical e teatral, é que se apresenta a
metade humana que os sistemas institucionalizados desprezaram e deceparam. O
homem, deste modo, não é apenas razão, mas emoção. Tal razão já fora usada em
demasia pelos sistemas, contribuindo negativamente à felicidade vital do ser
humano de se apresentar por completo, não somente regrado, como também ébrio.
Assim, o comportamento mangoliano não é insensato como comumente considerado,
mas sim uma resposta, uma reação do espírito humano contra os limites impostos
pelas regras estabelecidas pelos sistemas. Sob esta perspectiva, o mangolão
seria o ser dionisíaco de nossos tempos, o símbolo da embriaguez e da celebração
espiritual, tão desdenhado pelos contemporâneos sistemas racionalistas. Como o
filósofo alemão Friedrich Nietzsche bem analisou sobre a arte trágica, a
cultura pós-socrática dividiu o espírito humano, valorizando em demasia o
apolíneo – ser da forma, medida e inteligência – e desprezando o dionisíaco –
ser da desmesura e da emoção, também parte de nosso espírito vital. O ser
humano, sem uma dessas metades de seu espírito, se esvazia e decai, tornando-se
incompleto. O mangolão, por sua vez, é o dionisíaco contemporâneo,
essencialmente festivo. É por este fato que o mangolão parece sempre alegre,
pois celebra todos os momentos da vida, amando incondicionalmente seu próprio
destino. O mangolão tem de ter até mesmo uma grande carga de coragem, ao
carregar o peso não só das felicidades de seu destino, como também das próprias
adversidades. O mangolão, fruto de um berço opressor, ama o fato de celebrar a
vida por completo tanto quanto a verdade da opressão, do limite moral e da
disciplina provenientes do sistema. Face a face com uma realidade maior que ele
mesmo, só resta ao mangolão amá-la em todos os seus sentidos. Nesse ponto que
se dá a importância ética do mangolão. Ele se torna uma virtude dos fortes ao
justamente ser um bom exemplo de como os indivíduos devem se comportar diante
de uma realidade insatisfatória e decadente como a que se vê no mundo
contemporâneo.
O
mangolão é uma concepção ética que se manifesta tanto na linguagem quanto no
comportamento. É uma ética essencialmente crítica, que afronta o status quo,
sendo uma resposta espiritual contra a cultura racionalista contemporânea. O
mangolão, assim, é uma ética de combate, uma antítese à sociedade mecanicista,
uma resposta que ergue a necessidade humana de liberdade espiritual. Daí o
motivo no qual o tipo mangolão é tão criativo: através da criação e da própria
arte é que ele levanta sua mais importante bandeira. O espírito alegre do
mangolão é uma resistência espiritual, um libertar das rédeas da lógica capitalista
pela necessidade de ascensão do próprio espírito dionisíaco, intrínseco ao
homem. A linguagem mongoliana, que inclui seu comportamento, é permeada pela
musicalidade e pela teatralidade, caracterizada por seu cunho humorístico e
dramático, ao tentar interpretar a realidade pela ótica do espetáculo. Desse modo, o mangolão é intrinsecamente performático, necessitando de uma mise-en-scène para expressar seu
pensamento. Pelo caráter artístico da ética mongoliana, ela torna-se uma
linguagem de celebração e homenagem da vida e das paixões. O
mangolão é uma ética, assim, essencialmente afirmativa
da existência e de suas adversidades.
Numa
realidade cinza e niilista, proveniente da ótica fria da cultura
pós-industrial, o mangolão surge como a emoção que fora desdenhada desde
Sócrates e Platão, que buscavam a verdade além do próprio cerne do
conhecimento: o próprio ser humano. A
tragédia grega e a mitologia pré-socrática centralizaram a verdadeira origem do
saber filosófico, que é antropológica. Assim, os mitos gregos abrigavam a
sabedoria, por exaltar as emoções mais profundas do ser humano, desprezadas
pela cultura e pensamento ocidentais herdados pela filosofia socrática. Apenas
milênios depois, com Nietzsche, Freud e Dostoiévski, na filosofia moderna e
contemporânea, que o conhecimento focou-se novamente ao seu centro, na
realidade irracional do processo
humano. Como esperado, a filosofia contemporânea teve como conseqüência uma
crise da razão e do positivismo, que viam fielmente as respostas na própria
ciência. Com os filósofos de cunho irracionalista, não mais havia uma verdade
absoluta e metafísica, ou seja, destruiu-se a verdade que toda a história da
filosofia buscou, desde Sócrates até Kant. Instaurou-se, desse modo, a verdade
das emoções e paixões mais abismais, após constatar-se que a realidade humana é
movida por desejos cegos e forças brutas que almejam incessantemente o poder e
a vitória. Um dos primeiros filósofos a inserirem essa concepção irracionalista
do mundo foi Schopenhauer, um dos últimos metafísicos. Nietzsche recuperou o
pensamento de Schopenhauer, e esses dois pensadores influenciariam a tese
psicanalítica de Freud, a medula da psicologia contemporânea. A filosofia
contemporânea não mais buscou verdades-além, realidades inteligíveis, alma ou essência,
mas deu-se importância à complexa rede de desejos que move a vontade humana.
Não almejou-se mais verdade absoluta, mas quis-se buscar como tratar a vida com
relação à essa realidade cega, mutável e caótica (vide existencialismo). É nessa filosofia irracionalista e contemporânea
que o mangolão reside.
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