A Criação de Adão, de Michelangelo
A
sentença tradicional diria: “qual a diferença entre o homem e o animal?”; a
minha proposição reformulada seria: qual a diferença entre o humano e o resto
dos animais? Ainda pensa-se de forma obsoleta que o ser humano está a léguas de
distância do animal, definindo-o como um “bípede implume”, segundo Platão, até “ser
racional” como diriam os filósofos tradicionais; no entanto, graças ao
exercício da investigação, pôde-se constatar que o humano nada possui de
diferente do animal, o que invalida o pensamento retrógrado e egocêntrico que
atribui propriedades divinatórias e outras considerações extranaturais do
homem. Ora, se o homem é animal, o que causou a ideia do homem como um ser
superior? É sabido que os seres humanos são dotados puramente de carne e
nervos, bem como o resto dos animais, e que o resto dos “atributos humanos” são
apenas consequência desse pressuposto; toda e qualquer conclusão metafísica é
mera fabulação: estamos presos e dependemos da natureza, da physis; somos fragmentos do destino, à
mercê de todo e qualquer afeto externo proveniente da natureza. A biologia e a psicologia que o digam. Tal pensamento
já desvalora todos os grandes conceitos que fundamentaram uma visão sacrossanta
da origem da espécie humana, como “alma”, “substância”, “essência”, “coisa em
si”, “Deus”, até chegar a “razão”, que se opõe aos outros conceitos mas nasceu
do mesmo berço. Qual seria a grande divergência entre a espécie humana e as
outras? A escrita. E, não como
teólogos com máscaras de filósofos, não divinizo a escrita como atributo
porvindouro de algum ser supremo extranatural; a escrita é apenas efeito, mera
consequência do instinto de nossa espécie de sistematizar e encadear a
linguagem com conceitos; o resto dos animais possui linguagem, mas a seleção
natural que a eles fora imposta não moldou seus cérebros ao impulso de criar
códigos escritos a suas determinadas linguagens. O cão abana a cauda, o pinto
pia, o sapo coaxa; o homem escreve. A
fala e seus códigos não são propriedades humanas: o abano da cauda do cão é um
código, o pio do pinto é um código. O que diferiu a espécie humana das outras
foi justamente esse fato: elevar a comunicação ao ponto de construir um outro
universo paralelo à natureza, que se dá como a linguagem. O instinto de
sistematização da linguagem é consequência de nossas necessidades naturais,
provenientes do fenômeno principal ao qual a tese darwinista aponta: a natureza
moldou o humano de forma que ele adquiriu telencéfalo altamente desenvolvido e
polegar opositor, de modo totalmente consecutivo. Ou seja, conclui-se que a
existência humana não é “obra de um ser superior”, mas o mais puro e simples
acaso instintivo que baseia a natureza. Não há “verdades a priori”, não há “alma”, não há “transcendência”, não há “coisa em
si”, não há “verdade inteligível”, não há “razão”; esses são meros conceitos,
meras fabulações, que nada tem a ver com a realidade. O homem é tão animal
quanto os outros, e qualquer outra consideração é fuga da natureza.