Lobão.
Rogério Skylab. Júpiter Maçã. Renato Russo. Quatro nomes, os quais podem se
mostrar díspares, tanto entre si, quanto dentro de seus próprios microcosmos. A
ordem em que os dispus nesta listagem não diz respeito exatamente à gradação de
contraditoriedade (ou, ao potencial de contraditoriedade) de cada um; conquanto
Lobão talvez seja o mais emblemático, nessa tétrade, na qualidade sobre a qual
se mencionou. João Luiz Woerdenbag Filho, em sua persona artística, capitalizou
o Paradoxo, mesmo num trabalho de autoanálise: um rockstar, por excelência, um enfant-terrible dos mais conspícuos da
geração 80, nutrido da mais barroca das variações do rock – o progressivo –,
fora enxotado do seu cenário principal precisamente por sua cada vez mais obsessiva
afecção pela tradição do samba: incluiu Elza Soares em seu álbum O rock errou de 1986 (nenhum outro
título de álbum melhor descreve seu fenômeno); e, ingressou em pleno Rock in
Rio, conjuminado a uma escola de samba. Matou-se, então, o “roqueiro” Lobão.
Posteriormente, educou-se de forma autodidática no violão clássico e reestreou,
já nos anos 90, com um álbum imbuído na tradição sambística: Nostalgia da modernidade. Mais tarde, ao
auge de uma iconoclastia póstuma (primórdios dos anos 2000, quando os cabeças
da geração 80 “morreram de overdose”), lançou o brilhante A vida é doce: moderníssimo – trip hop, eletrônico – e, ao mesmo
tempo, com fumos de bossanova. Comungou-o com o Brasil em tiragem independente,
atingindo altas vendagens, aquém do tacão da indústria fonográfica. Pioneiro.
Posso
dizer que Rogério Skylab é o primogênito desse parricídio. Sua série dos Skylabs foi iniciada pontualmente quando
as grandes indústrias fonográficas sucumbiram. Como se isso não bastasse,
Rogério quis ainda dissecar o cadáver do pai: fruiu uma escatologia que superou
mesmo a proposta de um esdrúxulo Cabeça
dinossauro. Paradoxalmente (ou não), pungia fenótipos da tradição; afinal,
o pai assassinado não deixa de ser... pai. Skylab é o maior exemplar da
derrocada definitiva do rock mainstream.
Quanto
a Júpiter, há nuanças que configuram uma maior complexidade em sua trajetória.
Com os Cascavelletes, foi um filho bastardo da geração 80. Isso, porque o rock
portoalegrense, rebento também oitentista, mas que só concomitava com o
mainstream dos 80 em nível cronológico, em nada coadunava com a verve new wave-like, inglesa, de seus contemporâneos do
Eixo Rio-São Paulo. Cascavelletes era Stones com sacanagem: era outra coisa;
farinha do mesmo saco ipanêmico, não eram. Despontaram lá e cá nos clássicos
programas globais de auditório (vide Angélica). Mas a vivência do “oitentismo”
foi substrato de popularidade e atenção ao que viria uma década depois.
Primeiramente, A sétima efervescência:
early Pink Floyd, psicodelia,
remontando um Mutantes 60-70s. Outra proposta, de inovação relevantíssima à
aura de luto que predominava com a desintegração proporcionada por Collor, axé,
sertanejos e AIDS. Em seguida vem Plastic
soda, um experimentalismo aliado ao jazz-bossanova. Hisscivilization é o cume do ludicismo sonoro, com tudo misturado.
Mais tarde, Uma tarde na fruteira
cristaliza Júpiter como ícone cult dos
2000 pra frente.
Vale
lembrar a trágica entrevista no Matador
de passarinho (programa encabeçado pelo próprio Rogério Skylab; uma
celebração da decadência), que retratou com muita destreza e sensibilidade a extinção
da espécie rockstar-decadente-drogado-clube-dos-27. Entupido de downers,
Júpiter se levou, num groove nonsense, à derradeira estereotipificação do
clássico “tomou LSD e nunca mais voltou”. Flávio Basso morreu cerca de um ano
depois do evento.
Por
que, agora, falar de Renato Russo, se o que até agora se dissertou foi sobre outsiders pur sang da música brasileira? Porque... paradoxalmente, a Legião
foi a banda da sua geração que menos flertou com a tradição da MPB. E,
sobretudo, foi a que capitalizou o mainstream de sua época. Renato transcendeu
o métier, tangendo as raias do beletrismo: inspirado nos Pessoas, Drummond,
Shakespeare (lendo-o, inclusive, no original), não era mais apenas um letrista.
Virou arauto. Esteticamente, no entanto, a Legião Urbana era uma manufatura
sonora um tanto quanto amadorística, dada a deficiência técnica e a pobreza de
formação musical propriamente teórica. Não fosse a tergiversação na fonte
punk-DIY (do it yourself), superariam
o panteão setentista: Tim Maia, Jorge Ben, Novos Baianos etc. Seriam o maior
grupo musical da história do país. Não teria sido pela assertiva negação ao
chicoecaetanismo seu triunfo? Certo é que, entre os quatro nomes aqui
analisados, Renato e Legião não foram crescidos da “Tradição”. Provinham doutra
genética, estrangeira; “colonizados”, par
excellence. Aos trancos e barrancos, Renato e Legião mantiveram até o fim o
seu centro de gravidade, sem nenhum pendor à “síndrome de dignidade intelectual”
conceituada por Lobão. Não teria sido este o verdadeiro parricídio?
Que
fiquemos neste ar de vaga nostalgia, como quem vasculha antigos retratos de
velhos álbuns de fotografia, enquanto tudo o mais cada vez mais se pulveriza.